Desvela a percepção da equipe multiprofissional de saúde sobre a realidade social de crianças e adolescentes vitimizadas sexualmente.
A violência sexual (VS) é um problema de saúde pública mundial. Seu conceito abrange o intercurso sexual forçado ou consentido por alguém que não tenha condições emocionais, físicas ou cognitiva de fazê-lo.
Estima-se que, a cada cinco mulheres no mundo, uma sofreu VS na infância. Talvez, devido a esta realidade, o início da vida sexual do público infantojuvenil é um fenômeno que ocorre cada vez mais cedo em diversos países, sobretudo onde há baixo índice de desenvolvimento humano. No entanto, o Brasil tem apresentado redução das taxas da iniciação sexual precoce (ISP), a qual pode estar relacionado ao fato de que a relação sexual, com pessoas com idade inferior a 14 anos, é considerada estupro de vulnerável, um grave delito, segundo o Código Penal Brasileiro.
De fato, a iniciação sexual na infância/adolescência repercute negativamente na saúde física, emocional e cognitiva do individuo, justificando a preocupação entidades governamentais e não governamentais em todo o mundo. Estudo nacional realizado com 165.483 mulheres e adolescentes, ratifica que houve redução de 3% na prevalência da iniciação sexual neste público, comparando os ano de 2009 e 2015. Revela também redução de 9,7% do uso de preservativo na última relação. Corroborando, pesquisa com 7.486 adolescentes brasileiras, com idade média 14,9 anos, aponta para prevalência de 9,1% de gravidez e 30,6% não fez uso de preservativo na primeira relação sexual. Contudo, tais resultados não elucidam se estas relações sexuais ocorreram de forma imposta.
Salienta-se que a VS infantojuvenil pode ser acobertada pelo casamento informal, aceito pela família e estimulado como forma de sustentação econômica. Tal cenário é inquietante, pois, devido à vulnerabilidade natural da idade, crianças e adolescentes são ameaçadas enquanto sofrem VS, o que dificulta a revelação e a busca por serviços de atendimento à saúde, podendo ser este fator determinante para o desenvolvimento de uma gestação sem atendimento pré-natal adequado.
Uma vez que a vítima de VS pode estar sendo alvejada por coações e ameaças, vivenciando agressões físicas e psicológicas, comuns às investidas de autores da VS, há necessidade do aprofundamento nas investigações pré-natais de adolescentes na tentativa de desvelar como ocorreu a gravidez 12 e se esta é fruto de abusos, situação passível de intervenção, garantida pela lei nº 12.845/2013, através do Aborto Legal (AL).
Estudo revela um número reduzido de vítimas que realizam o AL após a VS, pois, no total de 112 adolescentes, apenas 15,2% interrompem a gravidez. Em outro grupo, de 31.611 brasileiras, com idade até 13 anos, vitimizadas sexualmente, todas tiveram seus filhos, destacando o Nordeste com 40% desses nascimentos. Pressupõem-se que a efetivação do AL pode esbarrar em situações de estigmas, tabus, desconhecimento acerca da lei, preconceitos e crenças populares, que abarcam não só as vítimas, seus familiares, mas também os profissionais da saúde, como revelam pesquisas, havendo urgente necessidade de intervenção.
Esta realidade chama a atenção visto que crenças e valores pessoais podem interferir e comprometer o atendimento às vítimas de VS, especialmente nos casos de interrupção da gestação. Neste sentido, a Teoria do Interacionismo Simbólico (IS) afirma: que a interação e a comunicação entre os indivíduos ocorrem mediante símbolos; que tais interações são originárias de concepções conscientes que podem sofrer transformações individuais de acordo com interpretações particulares; e que os indivíduos desenvolvem suas ações ao passo que interagem com outros.
Assim, diante da carência de estudos que apresentem a perspectiva de profissionais que cuidaram de vítimas infantojuvenis de VS que engravidaram, questionamos: qual a percepção da equipe multiprofissional sobre a gestação secundária à violência sexual infantojuvenil? Objetivamos descrever a percepção da equipe multiprofissional sobre a gestação secundária à violência sexual infantojuvenil.