Racismo e Saúde: Representações Sociais de Mulheres e Profissionais Sobre o Quesito Cor/Raça

16 de agosto de 2021 por filipesoaresImprimir Imprimir

Apreende as representações que o quesito cor tem para usuárias e profissionais de serviços públicos de saúde.


As análises de questões atinentes à saúde da população brasileira têm sido enriquecidas nos últimos anos pelo crescente aporte de informações sobre a identificação racial ou da cor permitindo, inclusive, que diferentes perfis epidemiológicos sejam estabelecidos. Em muitas situações, a desagregação de dados por raça/cor revela que as pessoas negras exibem piores condições de saúde quando comparadas às brancas, seja em relação ao risco de adoecer e morrer, seja em relação às oportunidades de acesso ao cuidado.

Racismo e Saúde: Representações Sociais de Mulheres e Pprofissionais Sobre o Quesito Cor/Raça. Foto: Divulgação

Embora as desvantagens das pessoas negras possam ser atribuídas à pobreza, uma vez que essa parcela da população percebe os mais baixos rendimentos, especialmente as mulheres, admite-se a existência do racismo institucional responsável por desigualdades na prestação do cuidado, dentre outros aspectos.

Nesse tocante, o documento elaborado pelo Grupo de Trabalho de Saúde da População Negra da Secretaria Municipal de Saúde de Salvador/Bahia pontua que o racismo institucional se expressa tanto na relação de cuidado quanto no acesso e na própria prática institucional; cita como exemplos a forma violenta como as mulheres negras são tratadas nas maternidades, na precariedade da produção de informações com recorte racial e na dificuldade de acesso ao cuidado.

Mulheres negras

De fato, no tocante às mulheres pretas, registra-se maior risco relativo de morte na comparação com as brancas, da ordem de 7.4. Estudos demostram que mulheres não-brancas tiveram mais chance de morrer por morte obstétrica direta; a peregrinação em busca de atendimento no trabalho de parto tem sido mais frequente entre as mulheres negras. Na relação de cuidado, identificou-se que as mulheres negras receberam, em média, 40% das orientações pré-natais que foram dadas às brancas.

Embora tenha havido nos últimos anos uma elevação no número de estudos que tentam estabelecer relações entre a cor/raça e a ocorrência de problemas de saúde, persiste, no Brasil, certa dificuldade na obtenção da informação sobre identificação das pessoas segundo a cor/raça em documentos da área da saúde, notadamente nos prontuários.

Nesse sentido, duas situações são recorrentemente citadas: os documentos não apresentam um campo específico para registro da cor/raça, a exemplo de outros dados demográficos como idade, sexo, procedência; ou quando existe o campo para registro, a cor não é informada.

Razões de ordem metodológica e conceitual têm sido evocadas para explicar o fato. Dentre elas, questiona-se qual o modo mais adequado para coletar a informação sobre a cor/raça: se a partir da autoidentificação ou se a partir de classificação definida pela pessoa que atende a população nos serviços ou pesquisador(a). Por outro lado, a miscigenação que caracteriza a nossa sociedade põe em discussão quais pessoas podem ser consideradas negras ou brancas.

A autodeclaração parece ser a forma mais utilizada para identificação racial em saúde, sendo também aquela que, em situação de entrevista, tem sido apontada como problemática, chegando a causar constrangimento. Entretanto, esse constrangimento só se manifesta quando a pessoa entrevistada é negra ou preta.

No nosso entendimento, são as ideias e representações sobre a raça/cor predominantes em nossa sociedade que influenciam a conduta das pessoas envolvidas na obtenção dessa informação, onde as pessoas negras são consideradas inferiores em relação às brancas, gerando as desigualdades raciais.

Entretanto, no Brasil, tais desigualdades são frequentemente escamoteadas pelo mito da democracia racial, sendo a ausência e dificuldade de registro da cor nos documentos da área da saúde um dos modos de expressão das representações sociais da população sobre a raça e sobre o racismo.

Racismo e Saúde

Cor/raça e etnia são categorias ainda pouco valorizadas nas práticas dos serviços de saúde e nas análises da produção científica sobre a saúde no Brasil. Apenas recentemente, principalmente a partir da década de 1990, por conta das lutas dos movimentos da sociedade civil, essas categorias começaram a ser discutidas ou utilizadas nas reflexões e em modelos de atenção à saúde.

A introdução do quesito cor foi normatizada pelo Ministério da Saúde, em 1996, devendo constar em documentos importantes, tais como: declaração de nascido vivo, certidão de nascimento, carteira de identificação civil e militar, certidão de reservista, autorização de internação hospitalar (AIH) e prontuário médico, certidão de casamento, título eleitoral, boletim de ocorrência policial, declaração de óbito e certidão de óbito.

Entendemos que as representações que a cor ou a raça têm para profissionais de saúde podem estar relacionadas às práticas discriminatórias de cuidado, assim como as representações de usuárias podem influenciar na busca de cuidados, pois, a representação funciona como um sistema de interpretação da realidade que rege as relações dos indivíduos com seu meio físico e social, ela vai determinar seus comportamentos e suas práticas.

É importante frisar que as representações sociais são elaboradas a partir de uma variedade de informações, de imagens, sentimentos conscientes e inconscientes, atitudes e não apenas por mecanismos cognitivos. Isso confere um caráter dinâmico às representações sociais e, portanto, os seus conteúdos dependem em grande medida da posição que os grupos ou indivíduos ocupam em cada sociedade. Desse modo, também as características individuais como idade, escolaridade, dentre outras, poderão promover a maior ou menor exposição das pessoas às informações ou imagens disponíveis na sociedade sobre determinados fenômenos.

Tendo, portanto, como objeto as representações sociais de usuárias de serviços públicos de saúde e de profissionais que atendem nesses serviços sobre a utilização do quesito cor nos prontuários de atendimento, os objetivos deste estudo são: apreender e analisar as representações sociais de profissionais e de usuárias sobre a raça/cor e verificar a importância atribuída por usuárias e profissionais à utilização/implementação do quesito cor nos documentos e prontuários do atendimento em saúde.

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