Reflete sobre a ressignificação do cuidado de Enfermagem, a partir dos pilares ontológico, epistemológico e metodológico.
Vários teóricos que investigam o cuidado de Enfermagem, em distintos contextos, sob diferentes perspectivas e pressupostos filosóficos, são uníssonos em concordar que, apesar do cuidar ser inerente a todo ser humano, há uma especificidade no cuidado de Enfermagem, que o diferencia daquele que pode ser realizado por qualquer pessoa.
Interessante que, paradoxalmente, embora o cuidado seja o processo que mais caracterize a Enfermagem, configura-se no menos valorizado dentre os processos de trabalho (cuidar ou assistir/intervir; pesquisar/investigar; ensinar/aprender e gerenciar). Apontam-se, em síntese, alguns motivos que corroboram para essa problemática: a constituição histórica da Enfermagem, transitando de uma ação a ser realizada por qualquer sujeito a uma profissão regulamentada por leis, com saberes e fazeres singulares na área da saúde, somando-se à divisão social do trabalho, com a valorização das atividades ditas intelectuais, em detrimento das manuais. A seguir, serão discutidos esses motivos, a fim de que possamos compreendê-los de forma mais ampliada.
Sob essa perspectiva, inicialmente, a investigação sobre essa questão pode ser instigada ao pensar que muitos enfermeiros se negam a realizar esse cuidado, porque acreditam que determinadas tarefas, tais como: higiene pessoal, medidas de conforto, preparo do corpo pós morte, auxílio na alimentação, administração de medicamentos, entre outros, desvalorizariam seu exercício laboral. Quando, na realidade, essas ações integram e até mesmo enaltecem o cuidado de Enfermagem, posto que se reportam para as necessidades integrais do sujeito a ser atendido e, para a sua realização, necessitam do saber-fazer do enfermeiro.
Entretanto, é preciso recordar que essa ideia que, ainda existe, de algum modo, na Enfermagem não foi forjada aleatoriamente, provém de uma construção histórica. Dentre tantos fatores que contribuíram para isso, destaca-se a divisão social do trabalho nessa área, por vezes ratificada, por vezes refutada, mas sempre presente ao longo do tempo. Na realidade, a divisão social do trabalho na Enfermagem foi institucionalizada, na Inglaterra, no século XIX, por Florence Nightingale. Utiliza-se o termo “institucionalizada”, a fim de ressaltar o papel que essa personagem histórica teve nesse processo.
Ao instituir a escola de Enfermagem no Hospital Saint Thomas, em Londres, ainda na seleção e formação das candidatas, Nightingale já realizava segmentação conforme as condições socioeconômicas das alunas. As mulheres de classe social elevada, chamadas de lady nurses, ficavam com as tarefas de supervisão, administração, organização da instituição hospitalar, enquanto aquelas menos favorecidas social e economicamente, as nurses, eram preparadas para o cuidado direto ao enfermo, à assistência, devendo obediência às ordens que lhe fossem dadas. Embora, vale frisar, essa divisão do trabalho já existisse antes de Nightingale, não de forma “institucionalizada”, haja vista que, a título de ilustração, cita-se o caso das senhoras pertencentes às confrarias, que ficavam com o trabalho mais intelectual e as irmãs de caridade, advindas dos vilarejos, ocupavam-se do trabalho manual.
Outro motivo da desvalorização do cuidado realizado pelos enfermeiros reporta-se à sua gênese, por estar atrelada ao cuidado, tido como ação que qualquer um poderia realizar, sem necessitar de um saber específico. A Enfermagem foi considerada inferior, rendendo-lhe inclusive certa invisibilidade ou minimização da sua relevância dentre as outras profissões da saúde, o que se materializou inclusive na remuneração financeira, sem definição de piso salarial condizente com a relevância dos serviços prestados. Por essa razão, provavelmente, o cuidado venha, em alguns momentos, se reduzindo a procedimentos técnicos, atos mecânicos; restringindo, pois, como consequência, o sujeito que procura o serviço de saúde a uma patologia, a uma situação clínica, a um conjunto de sinais e sintomas a ser tratado.
Nesse sentido, compreende-se a necessidade de que ocorra um processo de ressignificação do cuidado Enfermagem, a fim de que os profissionais que a constituem, em nível superior e técnico, possam reconhecer a especificidade do cuidado a partir das suas múltiplas dimensões. Sendo assim, objetiva-se, neste estudo, refletir sobre a ressignificação do cuidado de Enfermagem, a partir dos pilares ontológico, epistemológico e metodológico.