Percepção das Lideranças de Enfermagem Sobre a Luta Contra a Precarização das Condições de Trabalho

15 de setembro de 2023 por filipesoaresImprimir Imprimir

Descreve e analisa, sob a percepção das lideranças de Enfermagem, questões de gênero e socioeconômicas dos trabalhadores da categoria que interferem na luta contra a precarização das condições de trabalho.


Este estudo tem como objeto a repercussão das questões de gênero e socioeconômicas de trabalhadores de enfermagem no enfrentamento da precarização do trabalho de enfermagem.

A enfermagem é uma profissão predominantemente feminina e, por questões culturais, socioeconômicas, de etnia, entre outras, envolve-se pouco com a compreensão e o exercício das lutas políticas em busca de conquistas trabalhistas, bem como com as relações de poder que permeiam os ambientes de trabalho. A relação entre o quantitativo de homens e mulheres na profissão de enfermagem foi aferida e atualizada, em 2013, por uma pesquisa nacional solicitada pelo Conselho Federal de Enfermagem (Cofen). Os resultados mostram que 86,2% dos profissionais de enfermagem cadastrados no sistema Conselho Regional de Enfermagem (Coren) são mulheres. Tal pesquisa abrangeu 1.804.535 profissionais de enfermagem, destes, 414.712 estavam inscritos como enfermeiros e 1.389.823 como técnicos e auxiliares de enfermagem.
A sociedade é mediada por lutas, sejam elas simbólicas ou literais, veladas ou claras, devastadoras ou leves. Amiúde, essas lutas são travadas por busca de poder, de reconhecimento e/ou por riquezas materiais, em várias dimensões da vida, como a política, econômica, religiosa, de valores e de classe. Fato é que sempre estão presentes na sociedade, tanto no nível individual como no coletivo, escamoteadas ou evidentes.

Lutas de classe e gênero

No contexto do mundo do trabalho de enfermagem, é relevante o entendimento de questões que envolvam relações de poder, lutas de classe e gênero, a fim de subsidiar posicionamentos críticos e empoderar os trabalhadores frente às precárias condições laborais e ao enfraquecido reconhecimento social e profissional que permeiam a profissão.
O termo empoderamento é um conceito complexo, que passa pelos campos da democracia, participação política e deliberação, sendo considerado um fenômeno em que as pessoas passam a ter controle sobre os recursos, sejam eles físicos ou simbólicos. Em relação à população feminina, o empoderamento passa por uma transformação de valores e posicionamentos culturais da sociedade, permitindo, assim, que as mulheres saiam da pobreza, tenham acesso à educação, possuam voz e autonomia social.
No que tange à enfermagem, o empoderamento resulta em inúmeros ganhos, desde ambientes de trabalho mais seguros e melhores resultados na assistência até contribuições para driblar as adversidades inerentes ao processo de trabalho, adversidades que vêm se aprofundando com o advento do neoliberalismo no setor saúde.
Nessa perspectiva, verifica-se que nos últimos anos tem ocorrido no Brasil a deterioração das condições de trabalho em saúde e enfermagem, fortemente influenciada pela política neoliberal. O setor de serviço vem sendo sufocado por um intenso enxugamento de recursos materiais e escassez qualitativa e quantitativa de profissionais, além de apresentar vínculos de trabalho frágeis, levando a baixos salários e a perdas de direitos laborais.

Precarização das Condições de Trabalho

A preocupação com a precarização do trabalho de enfermagem é crescente, uma vez que interfere diretamente na saúde do trabalhador, exposto à intensificação do trabalho e ao sucateamento das condições laborais, à extensão da jornada laboral, à adoção da polivalência e da multifuncionalidade e à prática do multiemprego devido aos baixos salários da categoria. Essa precarização resulta em sofrimento psicofísico para o trabalhador, além do comprometimento da qualidade e segurança da assistência, em qualquer um dos níveis de atenção em saúde.
Outrossim, não pode ser ignorado que esse processo causa impacto no grupo de trabalhadores ao comprometer o valor social, a organização e o poder político de determinada categoria profissional, reforçando desigualdades socialmente construídas, expressadas por meio de relações laborais desiguais.
Os trabalhadores têm, por consequência, dificuldade em encontrar ferramentas e estratégias de organização social para o enfrentamento dessa situação. Ressalta-se que há necessidade de união de diversos campos e saberes, como dos meios científicos, sindicais, associações, mas também dos próprios indivíduos que vivenciam esse fenômeno, agravado por uma política de monetarização da saúde e dos riscos, para impor o respeito aos direitos fundamentais dos trabalhadores contra a dominação econômica.
Além do contexto econômico desfavorável à classe trabalhadora, pautado no ideário neoliberal de exploração da força de trabalho e maximização dos lucros, têm-se as questões de gênero que reforçam as desigualdades sociais e de trabalho.
Sabe-se que a herança cultural e social é androcêntrica, privilegiando os homens em detrimento das mulheres. Na divisão sexual do trabalho, persistem as discriminações e as violências simbólicas, especialmente contra as mulheres, desvalorizando as profissões exercidas por elas.

Profissão de Enfermagem

Nesta perspectiva, há que se aludir à profissão de enfermagem, eminentemente feminina, com um objeto de trabalho – o cuidado – que remete ao âmbito doméstico, e que, por sua vez, inscreve-se na esfera do fazer, do trabalho manual. Em um contraponto sintético, salienta-se que a profissão médica, que representa o universo masculino e de um trabalho intelectual, detém um grande poder no contexto do serviço de saúde. Esse poder apresenta repercussões para os trabalhadores de enfermagem, desde uma baixa autonomia no processo de trabalho em saúde até a inobservância dos empregadores em garantir melhores condições de trabalho.
Ademais, há que se mencionar as características socioeconômicas e culturais predominantes na profissão de enfermagem. Estudo sobre este tema entre os trabalhadores desta categoria profissional constatou que eles são oriundos de classes econômicas mais desfavorecidas, com predominância de negros e pardos. Logo, evidenciam-se contextos socioeconômicos e culturais desfavoráveis no empoderamento da categoria frente às lutas políticas por melhores condições de trabalho.
Considerando as questões tematizadas anteriormente, apresentam-se como objetivos deste estudo descrever e analisar, sob a percepção das lideranças de enfermagem, questões de gênero e socioeconômicas de trabalhadores da categoria que interferem na luta contra a precarização das condições de trabalho.
Entende-se que este estudo é relevante, uma vez que aprofunda a reflexão sobre o sucateamento das condições de trabalho da categoria de enfermagem, como a política neoliberal, que vem reduzindo o emprego formal, os concursos públicos, os salários, entre outros aspectos prejudiciais à saúde dos trabalhadores e à qualidade da assistência. Além disso, traz à tona a discussão de temas que vem afligindo a sociedade e, sobretudo, a enfermagem, como, por exemplo, a violência de gênero e as desigualdades sociais advindas da configuração socioeconômica. Ao refletir sobre tais questões, espera-se contribuir para a construção de uma consciência crítica e do empoderamento do coletivo profissional, para a elaboração de estratégias de enfrentamento a tal contexto adverso.
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