Identifica e caracteriza projetos musicais na área de saúde, seus objetivos terapêuticos, referenciais teóricos, avaliação/monitoramento e disseminação dos resultados.
No Brasil, o histórico da assistência em saúde passou e ainda passa por constantes transformações. Desde as últimas décadas do século XX, com o surgimento da Reforma Sanitária e a implantação e consolidação do Sistema Único de Saúde (SUS), se fez necessário repensar esse modelo e adotar novas práticas de assistência à saúde, com ênfase na integralidade e equidade, na valorização do social, da subjetividade e do cuidado. Dessa forma, o ser humano passa a ser o foco de atenção e a determinar quais são as ações necessárias para que sejam alcançados novos objetivos: criar produtos de saúde, cuidar, ampliar o entendimento e a apropriação do processo saúde-doença e melhorar a qualidade de vida dos usuários, respeitando e considerando a singularidade desses sujeitos, sua crença, cultura e meio onde vivem.
Diante desse cenário, faz-se necessário o surgimento de novas práticas integrativas e complementares de cuidado e tratamento oferecidas aos usuários de saúde nos diferentes contextos clínicos, sendo a música uma dessas práticas. A música é a linguagem das emoções. É simultaneamente cultura e arte. Ela reproduz nossos sentimentos interiores, a mistura de sensações e está presente em todas as culturas. É uma ferramenta terapêutica acessível, de baixo custo, com potencial uso terapêutico e clínico, para o tratamento de diversas condições clínicas e melhor qualidade de vida.
Ela vem sendo usada no tratamento da depressão, estresse, esquizofrenia e autismo. Estudos mostraram que a música possui propriedade analgésica e ansiolítica em cirurgias, tendo sido utilizada em unidades de tratamento intensivo, assim como em procedimentos diagnósticos (endoscopia, colonoscopia).
Pesquisadores que investigaram as experiências e atitudes dos enfermeiros em relação ao uso da música em uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI) demonstraram sua relevância para a prática clínica e que, quando incluída no ambiente de uma UTI, auxilia os enfermeiros e os familiares no momento do luto. Pesquisadores demonstraram que a atividade de canto é um meio alternativo e de baixo custo para a manutenção da saúde de idosos. A música tem sido apontada como uma intervenção em saúde do nascimento à morte dos indivíduos, tendo potencial de utilização em todo o ciclo vital humano.
A música se faz presente não só de maneira informal em nossas vidas, mas tem permeado projetos de pesquisa em todo mundo que investigam seu potencial terapêutico na saúde humana. É um recurso que integra também diversas ações e projetos em nosso meio, conduzido por profissionais com diferentes formações acadêmicas.
A participação em um grupo de música com os pacientes de um Centro de Apoio Psicossocial (CAPS), durante a qual muitas reflexões emergiram, motivou e impulsionou a realização deste estudo. O grupo de música, formado por pacientes, tinha como perfil majoritário indivíduos do sexo masculino, jovens entre 20 e 45 anos, portadores de transtornos mentais graves, como esquizofrenia, transtornos do humor e transtorno de personalidade, alguns com sintomas negativos, como afeto embotado, alucinações e delírios, outros com maior autonomia. Durante a participação no grupo, a partir do desencadeamento de uma crise em um dos pacientes, da escuta dos relatos de outros participantes, e das reflexões sobre como era a abordagem adotada na condução do grupo (e até mesmo os riscos envolvidos na atividade), pôde-se perceber que nem sempre a prática assistencial é crítico-reflexiva, nem sempre os objetivos propostos são avaliados com critérios e, muito menos, os resultados e os riscos eventualmente envolvidos são sistematicamente avaliados, emergindo daí a necessidade da realização deste estudo. Tal situação é ainda mais preocupante quando intervenções com potencial terapêutico são executadas por profissionais sem formação, de base ou complementar, na área da saúde, sobretudo quando direcionadas a populações mais vulneráveis, como os pacientes psiquiátricos.
São conhecidas diversas atividades que envolvem música e até mesmo projetos musicais relacionados à saúde, como o projeto Harmonia Enlouquece (banda de pacientes psiquiátricos do Centro Psiquiátrico do Rio de Janeiro) e o grupo Saracura (que atua em hospitais em São Paulo), dentre outros, que buscam favorecer o bem-estar, o equilíbrio emocional e o cuidado humanizado em situações de doença. Todavia, a literatura é limitada quanto ao detalhamento e execução dessas atividades na prática clínica. Parece não existir muita clareza (apesar da boa intenção) quanto aos referenciais teóricos que as suportam, uma análise criteriosa quanto à sua adequação a cada contexto clínico, bem como dados de monitoramento dos resultados que assegurem a adoção das melhores evidências científicas, dificultando a análise de modelos, sua replicação (cada projeto se torna um fim em si mesmo) e a incorporação em um maior número de instituições de saúde, apesar dos benefícios apontados pelas diversas pesquisas sobre o tema.
O número de projetos que utilizam a música na saúde e suas características é desconhecido no Brasil. Para além da utilização da música, existiriam similaridades entre os diversos projetos existentes? De que forma esses projetos têm avaliado e evidenciado seus resultados clínicos? Quais modelos teóricos podem auxiliar na implementação de intervenções musicais em serviços de saúde gerais e especializados? Essas são as questões que nortearam este estudo, cujos resultados podem balizar a discussão sobre a música como intervenção em cenários de cuidado e atenção à saúde, bem como identificar elementos fundamentais que facilitem a introdução e ampliação das práticas musicais de forma segura e efetiva na área da saúde.
Este estudo teve como objetivos: Identificar e caracterizar as intervenções musicais de projetos conduzidos na área de saúde em cenários gerais (hospitais) e especializados (CAPS, Cuidados Paliativos e outros); Identificar os objetivos terapêuticos e os referenciais teóricos dos projetos que se caracterizam por intervenções musicais na área da saúde; Conhecer a forma de avaliação, monitoramento e disseminação dos resultados obtidos pelos referidos projetos; Verificar se as experiências encontradas possibilitam propor um modelo de estrutura e acompanhamento de projetos que tenham a música como instrumento de cuidado em saúde