O (Des)Conhecimento das Mães Sobre o Traço e a Doença Falciforme

24 de novembro de 2021 por filipesoaresImprimir Imprimir

Analisa o entendimento de mães acerca da condição do traço e/ou doença falciforme da família a partir da criança diagnosticada.


O termo doença falciforme se refere ao grupo das hemoglobinopatias relacionadas a uma alteração genética e hereditária na hemoglobina S (HbS), que modifica o formato das hemácias. Pode ocorrer na forma homozigótica, ocasionando a anemia falciforme (HbSS), mas também pode ocorrer da combinação da HbS com outros tipos de hemoglobina alterados, como a hemoglobina C (HbSC), a hemoglobina D (HbSD) e a beta-talassemia (Hb S/β Th).

O (Des)Conhecimento das Mães Sobre o Traço e a Doença Falciforme

O (Des)Conhecimento das Mães Sobre o Traço e a Doença Falciforme. Foto: Divulgação

Os fenômenos vaso-oclusivos e a hemólise crônica são os principais determinantes das manifestações clínicas e dão origem a complicações, como anemia crônica, acidente vascular encefálico, complicações oculares, síndrome pé-mão, dor falciforme, asplenia funcional, atraso no crescimento, atraso nas características sexuais secundárias e infecções mais frequentes e graves, o que diminui a qualidade de vida de quem convive com a doença falciforme.

Doença falciforme

Embora tratável, a doença falciforme somente tem a possibilidade de cura através do transplante de células-tronco hematopoéticas alogênico aparentado, conforme estabelecido pelo Ministério da Saúde, na Portaria nº 298 de 9 de fevereiro de 2018. Neste sentido, é importante que a doença seja detectada na família, de forma a evitar sua hereditariedade por meio do aconselhamento genético, para a prevenção das complicações, aumento da sobrevida, melhoria da qualidade de vida e controle da frequência da doença.

Estima-se que, no Brasil, 4% da população possua o traço falcêmico e que 25.000 a 50.000 possuam o estado homozigótico ou heterozigóticos composto ou duplo. A prevalência de HbAS é maior nas regiões norte e nordeste, entre 6% e 10%, enquanto que, no sul e sudeste, apenas 2% a 3% da população é atingida, justificada pelos haplótipos transmitidos pela população negra vinda da África, escravizada nas lavouras de cana-de-açúcar no nordeste na extração de metais preciosos em Minas Gerais.

É importante ressaltar que os pacientes com um gene para HbS e HbA (hemoglobina normal) não possuem a doença, no entanto apresentam o chamado traço falcêmico (HbAS). Eles são capazes de transmitir geneticamente, e, se combinado com outro indivíduo que possua o traço, poderá gerar uma criança com a doença em 25% dos casos, portanto, é fundamental o estudo da hereditariedade da doença.

Reconhecendo a importância epidemiológica da doença falciforme, o Programa Nacional de Triagem Neonatal (PNTN), conhecido como Teste do Pezinho, identifica não só os neonatos afetados antes do desenvolvimento de qualquer sintoma, como também os que carregam o traço falcêmico e que podem transmitir o gene aos seus filhos, ajudando a reduzir a morbimortalidade e a melhorar a qualidade de vida dos mesmos. Para as crianças e adultos que não fizeram o teste do pezinho, deve-se ofertar o exame de eletroforese de hemoglobina.

No Brasil, a doença falciforme representa um importante problema de saúde pública, devido à sua alta prevalência, uma vez que são estimadas entre 60.000 e 100.000 pessoas convivendo com o agravo, cuja concentração varia de acordo com a região.

Acolhimento

Diante deste cenário, são necessários serviços que promovam o acolhimento e o apoio social necessários para minimizar as dificuldades no enfrentamento da doença ao acolher as famílias com responsabilidade e resolutividade, promovendo a formação de vínculos e minimizando as implicações geradas pela doença. Além disso, considera-se fundamental o conhecimento obtido pela família acerca da sua transmissão genética, pois os indivíduos devem ser informados sobre sua saúde para analisar melhor as suas decisões reprodutivas.

O aconselhamento genético é uma ferramenta importante no campo das doenças hereditárias, pois encoraja a implementação de práticas de cuidados preventivos e orientação aos pais em relação ao recém-nascido. Aborda aspectos educacionais e reprodutivos, que são imprescindíveis para a melhoria de vida dos portadores da doença falciforme, permitindo também uma ação pedagógica sobre a condição genética da família, bem como o risco de recorrência em futuras gestações, por meio de orientação familiar ou aconselhamento genético.

Destaca-se que, para a população adulta que convive com a doença falciforme ou com o traço, é fundamental a realização do aconselhamento genético pré-concepcional, pois há chance de os filhos herdarem a anemia falciforme e as talassemias.

O estudo acerca das decisões reprodutivas na perspectiva de mulheres cuidadoras de crianças com doença falciforme, inseridas em um programa de triagem neonatal do Distrito Federal, apontou que, mesmo tendo a possibilidade de ter outros filhos com a doença falciforme ou com o traço, estas desejaram ter mais filhos. No entanto, também foram encontradas mulheres que não querem ter mais filhos e mulheres cujo projeto reprodutivo ainda está sendo elaborado, com base nas informações recebidas no programa de triagem.

O referido estudo conclui que as escolhas reprodutivas das mulheres não são construídas somente com base na informação biomédica sobre a doença, mas na experiência do cuidado dos filhos e de si mesmas. Em contrapartida, alguns relatos sugerem que algumas mulheres mantêm uma estratégia discursiva amparada na medicalização das escolhas reprodutivas, afirmando não ter mais filhos, em virtude de ter sido submetida à cirurgia da ligadura de trompas ou de o companheiro ter feito uma vasectomia. Afirmam, ainda, escassez de publicações que abordam o risco reprodutivo associado à doença falciforme, apesar da centralidade epidemiológica ética e social da doença.

O traço falciforme é uma condição genética recessiva, em que o conhecimento é essencial para que as pessoas possam decidir adequadamente sobre suas decisões reprodutivas.

Destacam-se dois fatores importantes, o diagnóstico precoce e o aconselhamento genético. Neste contexto, é fundamental abordar o conhecimento apreendido pelas famílias de crianças com traço ou doença falcêmica sobre a sua condição. Surgiram, então, as seguintes questões norteadoras: quais os membros da família são portadores do traço ou possuem a doença falciforme? Qual o conhecimento do familiar acerca do traço ou da doença falciforme na família?

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