O pronto-socorro tem particularidades que tornam o desafio de aumentar a aderência aos protocolos de higienização das mãos na emergência talvez ainda maior do que na internação. O espaço restrito e o movimento fazem com que o contato e o risco de contaminação cruzada sejam altos e dificultam o serviço de limpeza. Além disso, é a porta de entrada de muitos casos infecciosos ainda sem diagnóstico, o que impede que medidas específicas de isolamento sejam adotadas precocemente. Esses fatores, somados à necessidade de procedimentos de emergência e à superlotação, fazem da adesão aos protocolos de higienização das mãos na emergência tão difícil quanto fundamental.
Um revisão publicada em no Emergency Medicine Clinics, reuniu dados que mostram que a aderência à higienização das mãos na emergência está bem longe do ideal. “A aderência à higienização das mãos na emergência é historicamente baixa. Particularmente entre os médicos”. Escrevem os autores. Pesquisadores da Escola de Medicina da Universidade de Washington. Há casos em que registra níveis alarmantes. De apenas 9% das oportunidades serem usadas pelos profissionais para a higiene.
Em seu trabalho para sua dissertação de doutorado na Universidade Federal de Santa Maria. A enfermeira Caroline Zottele Piasentin encontrou uma realidade parecida no Brasil. Ela acompanhou por três ocasiões o trabalho de 59 profissionais do Pronto-Socorro do Hospital Universitário de Santa Maria. Identificou 166 oportunidades para higienização das mãos. Mas em 90 delas o procedimento não foi feito. Em média, a aderência entre todos os profissionais ficou em 54,2% – considerada baixa. A enfermagem e a fisioterapia foram as categorias profissionais que mostraram maior adesão: realizaram a higienização em 66,6% das oportunidades. Enquanto o médicos residentes fizeram o mesmo em apenas 41,3% das vezes. A baixa aderência dos técnicos de enfermagem (50,6%) também chamou a atenção: “Ressalta-se a importância dos técnicos de enfermagem higienizarem as mãos, visto que são os profissionais que possuem maior contato direto com o paciente, durante 24 horas”, escreveram Caroline e coautores, em um artigo derivado de sua tese.
O uso de luvas pode influenciar na baixa adesão à higienização das mãos na emergência. Ela cria a sensação de proteção e costuma ser encarada com uma alternativa à higienização das mãos para poupar tempo no pronto-socorro. Onde os casos sempre são muitos e se exige maior contato com cada paciente. Mas, mesmo com luvas, a contaminação pode acontecer. Sempre existe a possibilidade de haver microfissuras, invisíveis a olho nu, ou de a pele entrar em contato com fluidos na hora da retirada e descarte. Por isso, as luvas não devem ser vistas como substitutas da lavagem ou do álcool gel.
Uma das principais barreiras à higienização das mãos na emergência pode ser a localização de pias e dispensers de produtos para assepsia. Essa foi uma das hipóteses aventadas por pesquisadores americanos para explicar uma queda da aderência verificada em um pronto-socorro que registrava bons índices (cerca de 90% de adesão). Se a assistência era feita em uma área com cortinas ou em uma sala. Os profissionais higienizavam as mãos em até 90,8% das oportunidades. Nos corredores, em apenas 82,3% das vezes. “A localização do paciente no corredor foi o indicador mais forte para baixa aderência à higienização das mãos”, escreveram os autores. “A diferença pode se dar por fatores ambientais, como localização dos dispensers, ou sutis, como fatores de trabalho não medidos relacionados à lotação.” Além de o corredor não ser preparado para o atendimento, o que explica por que pias e dispenses não estavam posicionados em locais estratégicos, pacientes atendidos em macas no corredor são um indício de lotação – mais uma barreira que prejudica a higienização das mãos na emergência.
Um levantamento conseguiu traçar essa relação direta ao relacionar a aderência aos protocolos de higiene ao tempo decorrido entre a entrada do paciente até o atendimento médico. Quando esse prazo era menor do que 1,5 hora, os profissionais realizavam a higienização das mãos em 34% das oportunidades. Quando esse tempo era superior a 1,5 hora, a adesão caía para 24%. Em um pronto-socorro em Nova York, os pesquisadores também traçaram essa relação: “A aderência era impactada ainda mais significativamente quando a emergência estava em seu maior nível de lotação, segundo a Escala Nacional de Lotação de Emergência”.
Pelos dados da literatura fica claro que. Para aumentar a adesão aos protocolos de higienização das mãos na emergência, é necessário também resolver problemas de fluxo. Mas outras medidas. Talvez mais fáceis de serem aplicadas em um primeiro momento. Podem ser adotadas concomitantemente. Aliás, se há uma certeza, é a de que se faz necessário um conjunto de medidas para reforçar a higienização das mãos na emergência. Não basta uma única ação isolada.
Uma experiência testou o uso de dispensers de álcool gel individuais, carregados por cada profissional do pronto-socorro, para verificar se eles facilitariam os momentos de higienização das mãos. E constatou que a medida isolada não era suficiente para aumentar a adesão (6). Pelo mesmo motivo que só dispensers nas paredes não resolvem: é necessário usar alertas visuais, campanhas de conscientização, além de observação e feedback ativo, para que os profissionais não deixem o hábito progressivamente. No início da intervenção, a aderência até aumentava, mas caía com o passar do tempo.
Nunca é demais lembrar que a rotina de higienização das mãos recomendada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) é a dos 5 momentos:
Momento 1- antes de contato com o paciente;
Momento 2 – antes da realização de procedimento;
Momento 3 – após risco de exposição a fluidos biológicos;
Momento 4 – após contato com o paciente;
Momento 5 – após contato com áreas próximas ao paciente, mesmo que não tenha tocado o paciente.
Fonte: [1]