Processo brasileiro de institucionalização das duas principais vacinas utilizadas como preventivas contra a varíola – a vacina de Jenner e a vacina animal.
A varíola e a vacina antivariólica constituem temas importantes e estão presentes em vários debates que apontam para análises histórias, tanto acerca da saúde pública nacional e mundial, como em torno de alguns objetos de investigação de âmbito político, social e cultural, em diversos contextos. As últimas duas décadas nos apresentam um significativo quadro de análises, tanto no que diz respeito a questões que se concentram no século XIX e nos primeiros anos do século XX, quanto a outros estudos que assumem amplo temário, inclusive a perspectiva de erradicação da varíola e de outras doenças, ao longo do século XX e primeira década do XXI.
Entre as reflexões que envolvem ou tangenciam o controle da varíola, no Brasil, acerca do período que se estende até o início do século XX, destacamos aquelas elaboradas por alguns estudiosos. A publicação de Sidney Chalhoub (1996), Cidade Febril: cortiços e epidemias na Corte imperial, além de estabelecer importante discussão acerca da prática médica no século XIX, aponta questões singulares sobre a utilização e difusão da variolização. Jayme Benchimol (1990, 1999) trouxe relevante contribuição com reflexões em torno da medicina pasteuriana e da trajetória do Instituto Oswaldo Cruz, que apresenta sua origem vinculada à uma parte da história da vacina antivariólica. Luiz Antonio Teixeira (2000) dedicou-se à análise da institucionalização de saberes médicos e as controvérsias geradas entre eles, discutindo o diagnóstico da varíola e sua similaridade com o alastrim. Sandra Caponi (2002a, 2002b) dedica-se ao estudo do pasteurianismo e sua relação com o contagionismo, verificando a postura das diferentes correntes que se mantiveram presentes entre o século XIX e XX, ressaltando a varíola como importante exemplo da definição de posições antagônicas ou não.
Os temas centrais da publicação – Vacina Antivariólica: ciência, técnica e o poder dos homens (1808-1920) – agora reeditada, se configuram em torno do processo brasileiro de institucionalização das duas principais vacinas utilizadas como preventivas contra a varíola – a vacina de Jenner e a vacina animal. Assumimos como marco inicial a introdução da vacina de Jenner, na primeira década do século XIX, e finalizamos com a incorporação da produção da vacina de origem animal ao Instituto Oswaldo Cruz, em 1920. Não ignoramos, no entanto, a importância histórica da difusão da técnica de variolização utilizada anteriormente e, ainda durante algum tempo, após a descoberta de Jenner, durante o século XIX, mas não a assumiremos como objeto de análise.
O título Vacina Antivariólica: ciência, técnica e o poder dos homens (1808-1920) busca refletir o processo analítico que traçamos a partir da relação entre alguns aspectos (conhecimento científico e técnicas de produção do imunoterápico) e o poder exercido por políticos, médicos e cientistas sobre a doença e o ser humano, sob inspiração do compositor e cantor brasileiro Caetano Veloso, ao apregoar ao homem a capacidade de “apodrecer” seus próprios poderes.