Tratar do tema de populações historicamente negligenciadas pelos Sistemas de Saúde (e aqui já se deixa a marca de não utilizar o termo “populações vulneráveis”, uma vez que a vulnerabilidade é condicionada pelos mecanismos da macroestrutura social desigual e excludente – a determinação social do processo saúde doença) é um desafio contra-hegemônico nos meios de formação, de modo que informar sobre tal assunto torna-se cada vez mais imperativo.
Parte dos “esquecidos” são os indivíduos em situação de rua, cuja definição perpassa por três conceitos: sobrevivência por meio de atividades produtivas desenvolvidas nas ruas; vínculos familiares interrompidos ou fragilizados; não referência de moradia regular. Ainda em subnotificação extrema, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) apontava em 2015 sobre a população em situação de rua que: 24,8% não tinha algum documento e 61,6% não exerciam direito de voto. Indicativos de que a maioria não possui expressão e voz políticas e incomoda pelo simples fato de existir – vista como o devir da loucura, do sujo, do não civilizado foucaultiano. Resultado e condicionamento disso (o incomodar), eles sofrem violências diversas e (num jogo recíproco de distanciamentos e medos) têm dificuldades de acesso à Saúde. E quando há oportunidade para isso, não se sentem num acolhimento adequado, vítimas de um desespero crônico de marginalização que não ofereceu saídas.
A partir de 2009, com a instauração da Política Nacional para a População em Situação de Rua e a expansão (ainda que pífia) dos ambulatórios de rua; assistentes sociais, médicos, enfermeiros, psicólogos e outros profissionais da área em contato com essa população verificaram a carga emocional pesada nos acolhimentos e a não romantização do serviço. Esses relatos servem de subsídio para que haja o entendimento de que vínculo e atendimentos devam ser uma política maior e não simplesmente resultados isolados de “compaixão” e “empatia” por certos profissionais, que por fim acabam se desgastando com as atividades. Significar e empreender Sistemas de Saúde para os indivíduos em rua deve partir de Secretarias Municipais e Estaduais fomentadas por profissionais que tiveram qualificação para esse cuidado em sua formação acadêmica – o que revela um projeto de Estado e Sociedade Civil articulados.
Na música, ouve-se “Eu moro na rua, não tenho ninguém. Eu moro em qualquer lugar” e na poesia, lê-se que “O bicho não era um cão, Não era um gato, Não era um rato. O bicho, meu Deus, era um homem.” Esse fardo sentimental quando se entra em contato com indivíduos em situação de rua. Em sua apavorada pobreza e desumanização, deve ser despertado. E a revolta que surge em seguida precisa ser (sim) um sinal de busca por resolução. Salvo, que não seja fim em si próprio e que não seja individualizado. É preciso um plano de sociedade para agir, com reformas e revoluções: não deveriam existir pessoas de, na e em ruas. Proponha-se, assim, o convite para que esta Cartilha seja instrumento introdutório de perturbação com informações que motivam agir.
Luís Eduardo Moreira Martins
Coordenação de Políticas de Saúde
DENEM 2017.