Caminhar aumenta fluxo de sangue para o cérebro, diz novo estudo.
Praticamente todo mundo já ouviu falar que caminhar faz bem para a saúde, mas um grupo de pesquisadores da Universidade Highlands do Novo México, EUA, encontrou mais um inusitado benefício da prática. Segundo eles, o impacto dos pés no chão produz ondas de pressão nas artérias que alteram significativamente o suprimento de sangue para o cérebro, podendo ajudar a aumentá-lo.
Até pouco tempo atrás, achava-se que o fluxo de sangue para o cérebro era regulado de forma involuntária pelo corpo, sendo pouco afetado por mudanças na pressão causadas por exercícios. Recentemente, no entanto, cientistas da mesma universidade americana e de outras instituições descobriram que o impacto dos pés no chão durante a corrida geravam forças equivalentes a entre quatro e cinco vezes a da gravidade terrestre. Estas forças, por sua vez, produziam ondas de pressão nas artérias que se sincronizavam com a frequência cardíaca e o ritmo das passadas, regulando a circulação de sangue no cérebro de forma dinâmica.
Diante disso, os pesquisadores decidiram verificar se algo parecido acontecia nas caminhadas. Para tanto, eles usaram ultrassons para calcular o fluxo sanguíneo em ambos hemisférios cerebrais a partir de medidas tanto da velocidade destas ondas quanto do calibre das artérias carótidas de 12 jovens adultos saudáveis enquanto ficavam parados em pé ou andavam de forma constante num ritmo tranquilo, de cerca de 3,6 km/h. Eles então constataram que embora o impacto dos pés no chão durante uma caminhada seja muito menor do que numa corrida, andar calmamente ainda produzia ondas de pressão poderosas o bastante para elevar o fluxo de sangue para o cérebro.
— O que é mais surpreendente é que demoramos tanto para finalmente medir estes óbvios efeitos hidráulicos no fluxo sanguíneo para o cérebro — diz Ernest Greene, líder do estudo, que apresentou seus resultados em palestra ontem durante a reunião anual da Sociedade Americana de Fisiologia (APS, na sigla em inglês) como parte da conferência Experimental Biology 2017. Há uma otimização de ritmo entre o fluxo sanguíneo cerebral e o caminhar. Tanto o ritmo das passadas quanto seus impactos com os pés estão dentro da gama de uma frequência cardíaca normal, de até cerca de 120 batimentos por minuto, quando nos movemos de forma apressada.
Cardiologista e diretor de pesquisas da Clínica de Medicina do Exercício (Clinimex), Claudio Gil Araújo lembra que o fluxo de sangue para o cérebro não é regulado por um único mecanismo, mas reconhece que a descoberta do grupo americano, embora aparentemente em caráter preliminar, reforça a noção de que o corpo busca sincronizar seus ritmos para atingir um equilíbrio entre o metabolismo e a atividade motora.
— Nosso corpo é um mecanismo complexo que nenhuma máquina conseguiu imitar ainda, com um acoplamento entre a respiração e a atividade cardíaca e entre a ação motora e a resposta cardiorrespiratória — destaca. — Assim, num organismo saudável, o cérebro tem uma espécie de comando central, uma função alta e sofisticada, que informa o corpo para realizar uma atividade motora e depois “ouve” as respostas do próprio corpo para modular esta atividade em busca, em última instância, da homeostasia, isto é, de manter todos seus parâmetros constantes, como a quantidade de oxigênio disponível para os músculos, mesmo em situações de estresse físico, como durante a prática de exercícios.
Outro que não se surpreendeu com a constatação dos pesquisadores americanos foi o especialista em preparação física e coaching em tempo integral Nuno Cobra Júnior. Segundo ele, o benefício das caminhadas para o fluxo sanguíneo cerebral já era conhecido desde a Grécia antiga, embora ele também admita que a descoberta de um mecanismo hidráulico envolvido neste processo seja um importante passo para aprofundar nossa compreensão da causa e do modo como isso acontece.
— Aristóteles já dizia que andar é a melhor forma de pensar — cita. — Sabemos também, por exemplo, que a atividade física leve ou moderada promove a neurogênese, isto é, a produção de novos neurônios, e que criamos novas conexões intraneurais através do aprendizado de movimentos novos. Tudo isso mostra a importância da atividade motora para a saúde cerebral. E é por isso também que os efeitos da atividade física no cérebro estão sendo cada vez mais estudados pela neurociência.
Já o neurologista Daniel de Souza e Silva, pesquisador em neurofisiologia na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), ressalta que, embora o mecanismo descrito pelos cientistas americanos seja de uma simplicidade surpreendente, o material disponível sobre o estudo ainda é limitado, não trazendo, por exemplo, uma quantificação do efeito das caminhadas sobre o fluxo sanguíneo cerebral.
— Depois de demonstrado, este mecanismo se mostra um tanto óbvio, mas a falta de mais dados coloca em dúvida seu real impacto na saúde e funcionamento do cérebro — considera. — Por isso quem faz a prática clínica como eu fica muito cauteloso na hora de abraçar uma conclusão dessas. Ainda assim, prevejo para o futuro uma série de outros artigos e estudos se baseando e ampliando esta descoberta, já que estes achados costumam começar assim, como algo observacional.