Compreende a percepção de residentes em Enfermagem Obstétrica sobre violência obstétrica em uma maternidade.
No mundo, muitas mulheres são vítimas de violência obstétrica (VO) durante o parto nas instituições de saúde. Rattner, descreve que o termo “violência obstétrica” agrupa e descreve várias formas de violência e danos causados pelo profissional de saúde durante a assistência no pré-natal, parto, puerpério e abortamento. Dessa forma, pode ser definida como maus-tratos físicos, psicológicos e verbais, ou ainda, como práticas intervencionistas desnecessárias, entre elas: episiotomia, restrição ao leito, clister, tricotomia, ocitocina de rotina, ausência de acompanhante e cesariana sem indicação.
Essa situação fere o direito da mulher de receber um cuidado respeitoso, como também é uma ameaça à vida, à saúde, à integridade física e à dignidade humana, ou seja, é uma violação dos direitos humanos.
No Brasil, na maioria dos nascimentos ocorre intenso processo de medicalização do parto, com intervenções desnecessárias e iatrogênicas; separação da gestante de seus familiares; falta de privacidade; e desrespeito a sua autonomia, que contribuem para que uma a cada quatro mulheres viva algum tipo de violência durante a assistência.
A Lei Orgânica sobre os Direitos das Mulheres a uma Vida Livre de Violência caracteriza a VO como a apropriação do corpo feminino e dos processos reprodutivos por profissionais de saúde revelado pelo trato desumano, uso abusivo da medicalização e intervenções desnecessárias sobre processos fisiológicos, gerando a perda da autonomia e da liberdade de escolha, o que reflete negativamente na qualidade de vida das mulheres. De forma complementar, a Defensoria Pública do Estado de São Paulo considera a VO como o desrespeito à mulher, seu corpo e seus processos reprodutivos e a transformação dos processos naturais do parto em doença ou abuso da medicalização, negando às mulheres a possibilidade de decidir sobre si e seu corpo.
A VO “é fortemente condicionada por preconceitos de gênero, de raça ou etnia, de classe socioeconômica, de geração ou de orientação sexual” (p. 139). Em pesquisa realizada no Brasil, no ano de 2010, pela Fundação Perseu Abramo, foi revelado que 25% das mulheres afirmam ter sido vítimas de maus-tratos, práticas muitas vezes naturalizadas pelos profissionais e instituições assistenciais.
Ao refletir sobre a assistência ao parto e pós-parto, percebe-se que as ações dos profissionais devem seguir critérios pautados em evidências científicas. Ademais, devem ter um importante papel de colocar seu conhecimento a serviço da mulher e ao seu filho, sem somar esforços para proporcionar uma assistência humanizada e digna para essas pacientes.
Nesse contexto, a formação do enfermeiro obstetra é um dos meios para a conquista dessa mudança, exigindo o envolvimento, o empenho e a colaboração de diferentes atores envolvidos, instituições de ensino, serviços de saúde, entidades de classes e profissionais10. O saber-fazer do profissional deve ser capaz de conhecer e intervir sobre as diversas situações que permeiam a saúde da mulher, bem como ao neonato e sua família, com ética, senso de responsabilidade social e compromisso com a cidadania, de modo culturalmente sensível às diferenças existentes na população assistida.
Isso torna-se essencial para a mudança do modelo positivista, flexneriano e tecnocrata de assistência à mulher em predomínio nas práticas em saúde, na formação de profissionais e no dia a dia das instituições. O cuidado em saúde não atende às demandas assistenciais fundamentadas na integralidade, na subjetividade e na individualidade, tampouco contemplam a prática baseada em evidência, tendo por consequência uma assistência violenta, despersonificada e impessoal.
O trabalho “VO na visão de enfermeiras obstetras” levantou as diferentes formas de violência, configuradas em verbalizações violentas dos profissionais de saúde (médico/a, enfermeiro/a obstétrico/a, enfermeiro/a e auxiliar de enfermagem), execução de procedimentos desnecessários e/ou iatrogênicos realizados e despreparo institucional para oferecer uma assistência humanizada. Esses e outros resultados indicam a necessidade de mudança no modelo de formação desses profissionais, em especial a categoria da Enfermagem, com o objetivo de melhorar a qualidade da assistência à mulher durante a gravidez, o parto e o puerpério.
Considera-se que a humanização, a qualidade da atenção, a adoção de medidas e os procedimentos benéficos para o acompanhamento do parto e do nascimento são fundamentais para o bem-estar das mulheres no período gravídico-puerperal. Logo, o presente estudo tem por objetivo compreender a vivência e o conhecimento sobre violência obstétrica dos residentes em Enfermagem Obstétrica de uma maternidade de referência do município de Belo Horizonte.
A OMS defende que “todas as mulheres têm direito ao mais alto padrão de saúde atingível, incluindo o direito a uma assistência digna e respeitosa durante toda a gravidez e parto, assim como o direito de estar livre da violência e discriminação” (p. 1). Geralmente, a VO ocorre durante o parto e o pós-parto, quando a mulher está vulnerável, sem condições de se defender ou mesmo interromper a violência sofrida4, sendo que um dos grandes desafios no enfrentamento da VO em nossa sociedade firma-se na naturalização e banalização do fenômeno. O fato de as mulheres acreditarem que o parto é um processo doloroso faz com que elas não percebam quando são submetidas a experiências ruins, naturalizando e perpetuando essa prática em nosso país.
A humanização e a qualidade da atenção em saúde se tornam importantes para mudar a realidade atual e fortalecer a capacidade das mulheres frente aos problemas identificados e de reivindicar seus direitos. Em 1990, o Ministério da Saúde (MS) investiu na qualificação e formação do(a)s enfermeiro(a)s obstétrico(a)s, determinando normas para criação de cursos de Especialização em Enfermagem Obstétrica e a iniciativa foi fortalecida com a criação de políticas nacionais de atenção à saúde da mulher, em destaque a Rede Cegonha, instituída pela portaria no 1.459, implementada em 24 de junho de 2011.
A implementação de Programas de Residência Multiprofissionais e as Residências em Área Profissional da Saúde, estabelecidas pela Portaria Interministerial no 1.077, de 12 de novembro de 2009, são estabelecidas como instrumento fundamental para o alcance das metas propostas pelo MS para atenção ao parto e nascimento, sendo a Residência em Enfermagem Obstétrica essencial para a formação de enfermeiro(a)s que respondam com a qualidade às necessidades assistenciais da mulher e do recém-nascido no território nacional.
Entendendo que as residências em saúde são um dispositivo de mudança na formação dos profissionais e na mudança do modelo de atenção e de suas associações com a VO, a realização desta pesquisa teve como finalidade proporcionar benefícios tanto aos profissionais quanto aos usuários ao ser compreendida como estímulo para aprimorar o conhecimento sobre a VO, tendo em vista os princípios éticos e legais da enfermagem obstétrica.