Nem Anjos, Nem Heróis: Discursos da Enfermagem Durante a Pandemia Por Coronavírus

16 de novembro de 2021 por filipesoaresImprimir Imprimir

Analisa os processos de produção de sentidos, com base nos discursos dos profissionais de Enfermagem, acerca de como se sentem em relação aos títulos de “anjos e heróis” dados pela sociedade durante a pandemia da COVID-19.


Desde meados de 2018, a partir da publicação Expanding the Role of Nurses in Primary Health Care, divulgada pela Organização Panamericana de Saúde e Organização Mundial da Saúde (OPAS/OMS), a Enfermagem tem alcançado maior visibilidade por ser considerada profissão essencial na ampliação do acesso à saúde, principalmente na promoção da saúde e prevenção de doenças. Já em 2019, foi criada a campanha “Nursing Now”, uma iniciativa da OMS com o Conselho Internacional de Enfermeiros (ICN) que visa reconhecer a contribuição da enfermagem para os desafios da saúde no século XXI; e tal apoio se dá por meio de investimentos em educação e condições de trabalho e na disseminação de práticas exitosa.

Nem Anjos, Nem Heróis: Discursos da Enfermagem Durante a Pandemia Por Coronavírus

Nem Anjos, Nem Heróis: Discursos da Enfermagem Durante a Pandemia Por Coronavírus. Foto: Divulgação

Ainda nessa perspectiva, no ano de 2020 é comemorado o bicentenário de nascimento de Florence Nightingale, pioneira e fundadora da enfermagem moderna. Florence trouxe inúmeras contribuições para a assistência à saúde, sobretudo no que se refere ao sanitarismo. Dentre os preceitos que utilizava em sua prática, destacam-se ações de isolamento dos enfermos, uso de métodos estatísticos de análise e planejamento em saúde, bem como a representação terapêutica da alimentação, higiene, saneamento, lavagem de mãos e ventilação na prevenção de disseminação das doenças.

Pandemia Covid-19

Coincidentemente, o ano de 2020 também é marcado pela maior crise sanitária mundial da nossa época. A infecção pelo novo coronavírus, causador da doença COVID-19, foi detectada inicialmente em Wuhan, na China, em dezembro de 2019. No final de janeiro de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou que a epidemia da COVID-19 constituía uma Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional (ESPII) e, em meados de março de 2020, reconheceu-a como pandemia. Desde então, rapidamente propagou-se por todo planeta e colocou em colapso os sistemas de saúde até mesmo dos países desenvolvidos.

No Brasil, a confirmação do primeiro caso da COVID-19 foi registrada em 25 de fevereiro de 2020 pelo Ministério da Saúde brasileiro. Com o rápido avanço em todo território nacional, a pandemia expõe as fragilidades estruturais e os pontos de estrangulamento do SUS, colocando em evidência a falta de profissionais de saúde e de infraestrutura na atenção de média e alta complexidade.

Em meio ao panorama pandêmico, os profissionais da enfermagem passaram a ser o foco de constantes homenagens por parte da população devido ao seu comprometimento em atuar na linha de frente do combate ao coronavírus. Foram inúmeros tipos de manifestações, como os famosos “panelaços” e aplausos que ocorreram nas janelas das casas e apartamentos, reportados pela mídia como incentivo aos que, agora, eram tidos como super-heróis.

Discursos da Enfermagem

A enfermagem tem utilizado esse momento de visibilidade para reforçar lutas seculares, como a regulamentação da jornada de trabalho de 30 horas e o piso salarial. Além disso, os apelos visam à valorização do trabalho executado pelos profissionais da categoria, exigindo condições adequadas de trabalho, equipamentos de proteção individual (EPI) em qualidade e quantidade suficientes para prestar assistência segura aos pacientes, a conscientização da população sobre as medidas de proteção ao vírus, bem como a importância do isolamento social.

Se de um lado a pandemia serviu para descortinar a importância da enfermagem no cuidado ao ser humano e para os profissionais vibrarem por se sentirem vistos e reconhecidos pela sociedade, de outro, emerge certo desconforto pelo cunho midiático que se tem atribuído ao trabalho prestado pela categoria em relação ao discurso de anjos e heróis para designar enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem. Os atravessamentos que permeiam essas relações também correspondem aos sentidos produzidos durante décadas acerca da (des)legitimação do trabalho profissional da enfermagem diante do ideário coletivo.

Dessa forma, optou-se por analisar os discursos da enfermagem na perspectiva foucaultiana, tendo em vista que, para Foucault, o discurso é constituído por uma trama histórica que representa um local, uma época e as diversas relações produzidas, permitindo uma análise acerca do que é dito ou silenciado, quem e por que se diz ou silencia, no interior das relações entre enfermagem e sociedade.

Nesse contexto, emergem as seguintes questões: Como os profissionais de enfermagem se sentem ao serem intitulados anjos e heróis pela sociedade durante a pandemia? Eles se reconhecem como anjos e heróis? O que é enunciado, ou não, nos discursos desses profissionais neste período?

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