A Interculturalidade na Formação dos Profissionais de Enfermagem

13 de junho de 2023 por filipesoaresImprimir Imprimir

Propõe uma reflexão sobre a interculturalidade e a formação da Enfermagem. 


De acordo com Hepburn, o próprio conceito de intercultura já apresenta a complexidade que é tratar deste assunto. Questões de etnia, raça, cor, gênero, entre outros, são temas que antes de tudo precisam mudar o modo de ver o mundo, o que exige a suspensão de preconceitos e a compreensão das diferenças e identidades culturais de cada povo. Isso se justifica pelo fato de o mundo “poder ser comparado a um mosaico ou a uma tapeçaria composta de múltiplas contribuições culturais, em que cada uma contribui para o significado e a beleza do conjunto”.

Uma Análise Sobre a Expansão do Ensino de Enfermagem no Brasil

Foto: Internet.

O conceito de formação intercultural ainda está em construção. Um contato superficial com o tema pode sugerir que a intercultura busca harmonizar a convivência entre diferentes culturas, excluindo ou minimizando conflitos, na medida em que uma cultura tolere a outra. Mas não se pretende desenvolver tolerância. Tolerar significa suportar, aguentar, e essa não é uma relação de igualdade, mas de superioridade de uma cultura sobre a outra. O que se pretende é desenvolver relacionamentos cooperativos entre as diferentes culturas, em que sejam mantidas – e respeitadas – as identidades culturais. A intercultura não busca a hegemonia, mas o reconhecimento da diversidade. Os conflitos permanecem inclusive em nome da democracia, mas devem existir em uma condição de igualdade, onde as diferenças não se reflitam em preconceitos e discriminações.
A interculturalidade vem se conformando como uma perspectiva epistemológica, de estudo interdisciplinar e transversal. Propõe-se a abordar a complexidade “(para além da pluralidade ou da diversidade) e a ambivalência ou o hibridismo (para além da reciprocidade ou da evolução linear) dos processos de elaboração de significados nas relações intergrupais e intersubjetivas, constituídas de campos identitários em termos de etnias, de gerações, de gênero, de ação social”.
Em um primeiro momento falava-se em multiculturalidade. Abordada a partir das políticas sociais e educativas, tinha (e ainda tem) como escopo adaptar os outros aos costumes, valores e organização da sociedade receptora, considerada superior. Essa perspectiva estava associada a fenômenos migratórios e se alicerçava na ideia de que diferentes culturas não podiam conviver em um mesmo contexto social. Assim, o grupo majoritário absorvia o minoritário. Neste movimento o último perde sua identidade, sua língua, seus hábitos e até mesmo sua religião. É neste contexto, que emerge a interculturalidade, como um processo de dupla via, num movimento em que a cultura inserida e a local oferecem elementos para a dinamicidade cultural.

Interculturalidade e a formação da Enfermagem

A perspectiva intercultural é dirigida à edificação de uma sociedade democrática, plural, humana, que articule políticas de igualdade com políticas de identidade. Envolve o reconhecimento do outro, o diálogo entre os diferentes grupos sociais e culturais. A adoção do olhar intercultural favorece a superação das relações de dominação. Para Wash, a interculturalidade é “[…] um processo dinâmico e permanente de relação, comunicação e aprendizagem entre culturas em condições de respeito, legitimidade mútua, simetria e igualdade”, construído entre diferentes pessoas, saberes e práticas culturais, que busca um novo sentido para essas diferenças. Envolve uma tarefa social e política, interpelada e traduzida pelo reconhecimento e confronto conjunto das relações e conflitos de poder, a partir de práticas e ações sociais concretas e conscientes.
Fundamental é sublinhar que o artigo 5º da Constituição da República Federativa do Brasil estabelece que todos os cidadãos devem receber o mesmo tratamento e que a dignidade humana é um bem imensurável e protegido pelo Estado e garantido pela sociedade. O artigo 196 legisla que a saúde é direito fundamental de todos e um dever do Estado, e deve ser garantido mediante políticas sociais e econômicas como acesso universal e igualitário às ações e serviços voltados para a promoção, a proteção, a recuperação e a reabilitação da saúde da população.
Isto posto, é válido trazer à reflexão a expressiva importância de estar atento à diversidade cultural nos espaços de produção de cuidado. Em 2001, a Unesco adotou a Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural, reconhecendo-a como uma herança da humanidade e inseparável do respeito à dignidade humana. A diversidade cultural só pode ascender ao reconhecer o diálogo e o respeito entre civilizações e culturas, transpondo questões relativas a sexo, idade, nacionalidade, pertencimento cultural, religião ou etnia. É fonte de representações, conhecimentos, práticas e, igualmente, de afirmação, inovação e criatividade, que contribuem para a construção de um sistema relacional viável, sustentável e harmônico entre a humanidade e os recursos terrestres.
À Enfermagem e seus processo formativos sugere-se profundas reflexões, em especial no escopo da Teoria Transcultural, para que sua inserção nesses temas (re)emergentes da sociedade moderna recebam a ênfase necessária, a fim de que a humanização da assistência possa ultrapassar as fronteiras de uma mera política de saúde para uma ação de valorização, acolhimento e respeito ao usuário do serviço de saúde. Assim, serão possíveis a reinvenção do cotidiano de seus processos de trabalho e a transformação dos trabalhadores em agentes ativos das mudanças no serviço de saúde. Da mesma forma, promover a união dos usuários e sua rede sociocultural e familiar nos processos de cuidado pode ser um grande desafio, mas é um movimento emancipador, de valorização da escuta de como ele quer ser cuidado, além de ser potência para que o usuário seja corresponsável pelo seu cuidado.
Isto posto, O estudo tem como objetivo propor uma reflexão sobre a interculturalidade e a formação da Enfermagem.
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