Analisa se a formação dos Agentes Comunitários de Saúde de equipes ribeirinhas contempla subsídios para a utilização de seu saber popular.
O trabalho do Agente Comunitário de Saúde (ACS) iniciou-se no Brasil no ano de 1987, com uma experiência no município de Jucás – Ceará, visando reduzir os alarmantes indicadores de morbimortalidade infantil e materna. Por seus resultados positivos o Ministério da Saúde (MS) ampliou o Programa e, no início da década de 1990, instituiu o Programa Nacional de Agentes Comunitários (PNACS). No ano de 1992, ele passou a se chamar Programa Agentes Comunitários de Saúde (PACS). Em 1994 incorporando o PACS surgiu o Programa Saúde da Família (PSF), visando a reorganização das práticas de saúde e a substituição do modelo tradicional (hospitalocêntrico), que se configurava até então.
O PSF é desenvolvido por equipe multiprofissional, com intensa participação da comunidade. Uma variedade desse modelo de atenção à saúde são as equipes de saúde ribeirinhas e fluviais que são constituídas de seis a doze Agentes Comunitários de Saúde, como previsto na Política Nacional de Atenção Básica (PNAB), atualizada pela Portaria Ministerial nº 2.436, de 21 de setembro de 2017, que estabeleceu a revisão de diretrizes para a organização dos serviços de saúde nesse nível de atenção.
O ACS é integrante da comunidade, morador da área, portanto conhecedor da dinâmica social, dos valores, das formas de organização e do conhecimento que circula entre os moradores. Esse conhecimento pode facilitar o trânsito da equipe, na comunidade, as parcerias e articulações locais.
A formação de Agentes Comunitários de Saúde para equipes ribeirinhas impõe a necessidade de problematizar esse território e o modo de vida loco regional, na perspectiva de uma mediação transformadora dos saberes, para construção de novos conhecimentos e inovação nas práticas de saúde. Para isso, faz-se necessário tomar como ponto de partida o saber prévio dos ACS, adquirido por sua história de vida, sua prática social e cultural.
O modelo pedagógico de Paulo Freire defende o diálogo entre educador e educando, sem imposição de saberes de cultura, mas uma construção mediada por esses saberes. Nessa percepção, os pressupostos desse modelo se fundamentam na ideia de que ninguém educa ninguém e ninguém se educa sozinho. O autor considera ainda que o diálogo deve se dar por meio de uma relação horizontal e não vertical entre as pessoas implicadas, isso significa que o saber de todos deve ser valorizado. Essa ideia é presente nas reflexões do sociólogo português Boaventura de Souza Santos ao reconhecer que os saberes estão imbricados, e que “nenhum deles pode compreender-se a si próprio sem se referir aos outros”, caracterizando a pluralidade dos saberes e, dando aporte teórico a Teoria da Ecologia dos Saberes.
Um estudo questionou o processo de formação do ACS que não valoriza o saber genuíno, admitindo ser contraditório propenso a estimular às práticas biomédicas. Identificou ainda que, esse processo de formação é “desestruturado, fragmentado e na maioria das vezes, insuficiente para desenvolver as novas competências necessárias para o adequado desempenho de seu papel”.
Este estudo apresenta as seguintes questões norteadoras: Qual a percepção do Agentes Comunitários de Saúde de equipes ribeirinhas em relação a capacitação que recebe? A formação do Agente Comunitário de Saúde de equipe ribeirinha permite contemplar o saber local em saúde? Existe na visão desse trabalhador uma hierarquização de saberes?
A partir destes questionamentos, objetivou-se discutir a percepção do Agente Comunitário de Saúde de equipes ribeirinhas em relação à formação que valoriza a hierarquização de saberes e a prática transformadora no território, e analisar se essa formação contempla subsídios para a utilização de seu saber popular.