Disclosure: um Guia Prático para Comunicar Erros na Saúde

5 de setembro de 2019 por filipesoaresImprimir Imprimir


Conversa entre médico e paciente: diretrizes de disclosure ajudam a comunicar erros e eventos adversos a paciente e familiares (Bigstock) Comunicar erros e eventos adversos a pacientes e familiares – o chamado disclosure – é um dever dos profissionais de saúde. Ter acesso a todas as informações é um direito do paciente. E participar de um disclosure, a partir das duas perspectivas, é uma situação sempre difícil.

Novas Técnicas de Comunicação

Um corpo crescente de estudos está ajudando profissionais e instituições de saúde a usar técnicas de comunicação para tornar o disclosure menos traumático e mais construtivo para pacientes, familiares e também para os profissionais de saúde.

Um dos trabalhos mais detalhados sobre como comunicar erros foi conduzido por quatro especialistas americanos, que ministraram um série de workshops com profissionais de saúde, discutindo  ferramentas de comunicação e fazendo simulações de disclosure. O modelo conta com o papel de “coach”, um profissional do hospital com mais experiência e preparo na condução desse tipo de conversa. Ele atua como um consultor, orientando os profissionais envolvidos no erro/evento adverso.

As conclusões da experiência deram origem a um conjunto de diretrizes práticas para comunicar erros e conduzir o disclosure de maneira clara e, ainda asssim, delicada com pacientes e familiares. As diretrizes a seguir foram resumidas e traduzidas pelo IBSPInstituto Brasileiro para Segurança do Paciente, e podem ser encontradas na íntegra no livro Talking with patients and families about medical error: a guide for education and practice.

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Diretrizes práticas para disclosure

Primeiras ações

  • Garantir que a equipe está atenta às necessidades médicas do paciente
    A prioridade é o paciente, e o choque de um erro pode desorientar os profissionais envolvidos, absortos em suas próprias emoções.
  • Envolver os profissionais adequados na instituição o mais cedo possível
    Quem deve ser avisado nesse tipo de erro: médico responsável, gerente de riscos, etc.
  • Avisar o coach e marcar uma reunião para planejar o disclosure
    O coach ajuda a dar uma visão de alguém não envolvido diretamente. Todos profissionais da equipe devem participar do planejamento.
  • Se o evento adverso envolver um dispositivo/equipamento, retirá-lo de uso
    A gerência de riscos pode ajudar com os procedimentos para tirar o dispositivo de funcionamento e conduzir investigações.

Preparação para a conversa de disclosure

  • Determinar se o disclosure é necessário

    Situações em que o evento adverso levou a uma mudança no tratamento – imediata ou  futura – precisam ser relatadas. Se não causou consequências e pode trazer mais ansiedade ao paciente e família, a necessidade de disclosure deve ser debatida. É importante lembrar que se o paciente/família notaram mudanças na rotina/agitação na equipe, mesmo que o incidente não tenha tido consequências clínicas, é importante contar para evitar a sensação de que algo está sendo escondido.
  • Reunir todas as informações possíveis

    Colha a perspectiva do erro/evento adverso de todos os profissionais envolvidos. Para eventos mais graves, em pequenas reuniões em grupo. Para os menos, em conversas mais informais.
  • Usar a abordagem “Pergunte-Conte-Pergunte”

    Construa um consenso com a equipe sobre o conteúdo do disclosure, sem partir de pré-concepções. Faça perguntas, incorpore as respostas e faça novas perguntas. Por exemplo: “Concordamos que foi um erro de toda a equipe?” Em caso positivo: “Como concordamos que o erro foi da equipe, devemos formular um pedido de desculpas?  Qual é o melhor momento para fazermos isso?”.
  • Lembrar a equipe que o disclosure é para o paciente, não para os profissionais

    A conversa com o paciente e a família não é o momento para discutir entre a equipe causas e condutas. O foco é explicar de maneira clara e direta para o paciente o que ocorreu, desculpar-se e informar o que está sendo feito para corrigir o problema. Análises de causa-raiz e estratégias de melhoria são discutidas em outras instâncias e ocasiões.
  • Determinar quais profissionais devem participar

    Via de regra, os profissionais envolvidos. Cabem exceções quando o profissional não tem condições emocionais ou dá sinais de que não atua em equipe ou quando o paciente e a família podem se sentir incomodados com a presença. Chamar funcionários do hospital não envolvidos diretamente pode passar a mensagem errada de intimidação ou de defesa, não de preocupação genuína com o paciente.
  • Pensar em quem deve estar presente para apoiar a família

    Médicos que acompanham o paciente, amigos, religiosos. A assistência social pode ajudar a encontrar pessoas cuja presença pode ser importante para o paciente e sua família no momento da conversa.
  • Decidir quem deve conduzir a conversa

    É importante que seja alguém com quem o paciente e a família estejam acostumados, para que tenham a sensação de continuidade do cuidado.
  • Definir com a equipe o conteúdo do disclosure

    Fatos, nunca suposições, devem ser comunicados. Antecipe as dúvidas que podem surgir para pensar em respostas concretas, que não caminhem para hipóteses.
  • Determinar um bom momento para a conversa

    De preferência, nas primeiras 24 horas – mesmo que todos fatos ainda não tenham sido apurados. Comunique os fatos e garante que haverá atualizações assim que novas informações surgirem. Postergar a conversa dá a impressão de que o hospital está ganhando tempo para acobertar o erro/evento adverso.
  • Defina quem centralizará a comunicação futura

    A conversa inicial de disclosure pode ser seguida por outras, para atualizar o paciente e a família com novos fatos e desdobramentos. É importante definir quem será o responsável para fazer essas comunicações, para não haver ambiguidade e informações desencontradas.
  • Discutir a melhor linguagem a ser usada, de acordo com o perfil do paciente/família, condição cognitiva e uso de medicação

    São variáveis que podem afetar a compreensão. Escolha a melhor linguagem. Termos muito técnicos podem soar como postura distante e indiferente para algumas pessoas e linguagem muito simplificada pode parecer desrespeito com outras

A conversa de disclosure

  • É preciso ser verdadeiro

    Frases prontas, que não fazem muito sentido para o profissional, provavelmente também não farão para o paciente e a família. Coloque-se no lugar deles e seja autêntico.
  • Lembrar-se dos valores fundamentais de qualquer relacionamento

    Paute sua fala em transparência, respeito, responsabilidade e compaixão para reconstruir a confiança na relação profissional-paciente.
  • Usar a regra de ouro: o que você gostaria de saber se fosse o paciente?

    É um bom começo para orientar a conversa, ainda que não seja infalível. As pessoas são diferentes uma das outras.
  • Transmitir empatia pelo sofrimento alheio

    Mostre que você está preocupado com as emoções do paciente/família.
  • Estabelecer a pauta da reunião

    Antes de começar o encontro, esclareça de maneira direta o objetivo do encontro, para que não haja mal-entendidos.
  • Garantir a clareza da comunicação

    Peça para o paciente e a família explicarem o que entenderam sobre a sua fala, pergunte se restam dúvidas, se há alguma outra informação que eles precisam e como você poderia ajudá-los.
  • Ater-se aos fatos

    Não é o momento de construir hipóteses. Atenha-se aos fatos e esteja preparado ter os dados ainda não sabidos em uma primeira conversa (resultados de exames, por exemplo) nos encontros posteriores.
  • Assegurar que o evento será investigado e novos dados serão comunicados

    Reforce que a preocupação foi informá-los o mais breve possível e que, por isso, ainda não se sabe sobre todos os fatos. Mas que isso não quer dizer que ele não serão analisados em profundidade e comunicados.
  • Ter empatia sempre, desculpar-se quando for apropriado

    É fundamental demonstrar que os profissionais e a equipe entendem – e se solidarizam – com o sofrimento do paciente e da família. Um pedido formal de desculpas deve ser feito quando o problema foi causado por um erro. Mas é necessário que a análise do caso já tenha sido feita para evitar que a responsabilidade recaia injustamente sobre um profissional.
  • Retomar o plano de cuidados do paciente

    Reafirme o foco no tratamento e revise quais serão os próximos passos a partir daquela nova circunstância e o que já está sendo feito.
  • Verificar se os relacionamentos clínicos podem ser mantidos

  • O ideal é tentar refazer o laço de confiança entre profissionais e paciente/família. Isso não impede de oferecer à família uma segunda opinião sobre o caso e o novo plano de tratamento, para garantir que o melhor cuidado está sendo oferecido.
  • Não responder a perguntas sobre compensação financeira

    Caso você não tenha autoridade institucional para falar sobre esse assunto, indique entender a preocupação do paciente/família e afirme que esses pontos poderão ser respondidos pelo departamento da instituição com competência para isso. Avise o setor de gerenciamento de riscos para que eles possam atender a família com rapidez.
  • Preparar-se para que as desculpas não sejam aceitas


    O paciente e a família podem não estar prontos para perdoar na primeira conversa e, em alguns casos, nunca. Pode ser frustrante para o profissional, que se sente vulnerável por ter se exposto. Tenha certeza de que o correto foi feito.

Documentação e acompanhamento

  • Reunião de debrief após o disclosure

    O encontro com o paciente/família pode gerar novas tensões na equipe acerca de responsabilidade. Um encontro com a equipe, apoiado por um coach ou líder clínico, imediatamente após o disclosure pode ajudar.
  • Avaliação das condições emocionais dos profissionais envolvidos

    A estrutura de apoio psicológico do hospital deve ser acionada: colegas do setor preparados para oferecer apoio emocional, assim como lideranças clínicas.
  • Documentação do disclosure no prontuário

    Incluir um resumo da conversa no registro do paciente.

Fonte: [1]

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