De Anjos a Mulheres – Ideologias e Valores na Formação de Enfermeiras

5 de janeiro de 2023 por filipesoaresImprimir Imprimir

Reflexão a todas as mulheres enfermeiras, na perspectiva de que possam entender os mitos e preconceitos que têm envolvido a profissão ao longo dos tempos, visando ajudá-las a enfrentá-los e superá-los.


O presente estudo pretende servir como objeto de reflexão a todas as mulheres enfermeiras, na perspectiva de que possam entender os mitos e preconceitos que têm envolvido a profissão ao longo dos tempos, visando ajudá-las a enfrentá-los e superá-los.

De Anjos a Mulheres - Ideologias e Valores na Formação de Enfermeiras

Para isso, procuramos seguir um caminho capaz de permitir tanto um enfoque teórico quanto prático, a fim de facilitar a compreensão da situação como um todo. Com esse objetivo, retomamos algumas das questões clássicas que tem perpassado a enfermagem em geral, e aproveitamos a experiência vivenciada pela Escola de Enfermagem da Universidade Federal da Bahia, ao longo de cinquenta anos de sua existência, objetivando entender esses mitos e preconceitos de forma articulada. Buscamos enfrentar o problema sem mistificações, ou seja, sem escamotear a situação
vivida pela enfermagem em geral e por aquela praticada ao longo dos 50 anos de existência da Escola de Enfermagem da Bahia, no que diz respeito à ideologia seguida, que tem servido para colocar a enfermagem como uma atividade que visa “proteger, fortalecer, e aliviar” a dor de alguém, a qual exige de quem a exerce espírito de servir, respeito à hierarquia, obediência às normas estabelecidas, assim como caridade, seriedade, abnegação, dedicação e competência, entre outros.

Formação de Enfermeiras

Nesse sentido, a perspectiva tomada foi a de Gênero, ou seja, de ver a educação ministrada na Escola de Enfermagem sob o ponto de vista feminista, isso porque o nosso interesse recai na preocupação de entender as relações do poder estabelecidas no seio da enfermagem, a ideologia que a tem alimentado, de modo a fazer com que a enfermagem seja vista como um trabalho feminino, e a enfermeira como um tipo de ”anjo”, guardiã e protetora, deixando de lado seus interesses pessoais a fim de cumprir uma “missão”.

Essa compreensão da enfermagem e da profissão no Brasil tem sua origem no trabalho caritativo desenvolvido por religiosos na ajuda aos pobres, doentes e abandonados, embalados por uma ideologia que via nisso uma maneira de salvar não só o corpo como também, e principalmente, o espírito deles e dos seus pacientes.

Esse tipo de ideologia foi sendo absorvida pelas enfermeiras, de modo a verem a enfermagem como uma vocação que surgia em decorrência de um chamado de Deus. Nisso a enfermagem brasileira repetia o modelo desenvolvido por Florance Nightingale, na Inglaterra, a qual chegava a relacionar as leis da saúde com as leis de Deus. Segundo ela, os problemas da saúde se agudizavam pelo fato das mães e professoras não terem recebido os ensinamentos das leis de Deus e com isso ficarem sem condições de compreender também as leis da saúde.

Assim, o corpo e sua situação de saúde e de doença eram vistos como realizações divinas, e trabalhar para mantê-lo sadio, uma forma de colaboração com Deus. Com esse serviço, cumpriram outra “missão” religiosa que consistia em disseminar os princípios cristãos, ao tempo em que, através deles, controlavam as ações humanas e definiam sua forma de ser. Pois pelo zelo e dedicação passados pelas enfermeiras, veiculavam também o conformismo e a aceitação, próprios da doutrina católica e necessários à manutenção do poder. Quanto às enfermeiras, a ideia servia para inculcar-lhes que o seu empenho e dedicação era uma das formas mais elevadas de prestar um serviço a Deus e ao próximo.

Com isso, o livro que ora apresentamos não consiste em um material “saudosista”, visando relatar a saga de uma instituição educacional. Ao contrário, acreditamos que ele serve como um elemento para despertar nas profissionais da área uma tomada de consciência sobre o processo de dominação a que a profissão sempre esteve submetida, bem como é mais um instrumental a ser utilizado em sala de aula, tanto para auxiliar na compreensão do estatuto da enfermagem, quanto em aspectos da sua história, e mais ainda, como sinalizador das relações de poder estabelecidos no seio da profissão.

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