Organização do processo de trabalho do serviço de saúde ao acompanhamento da gravidez de anencéfalo e a possibilidade de interrupção da gestação ou de antecipação terapêutica do parto nos serviços hospitalares.
A Constituição Federal de 1988 estabeleceu o primado dos direitos e garantias fundamentais e reconheceu a universalidade do direito à saúde e o dever do Estado de garantir e oferecer meios e acesso para o exercício desse direito.
A anencefalia é uma malformação incompatível com a vida. Dados de literatura relatam que entre 75% a 80% dos fetos com anencefalia são natimortos, ou seja, morrem ainda no útero. O restante morre dentro de horas ou poucos dias após o parto. O prolongamento dessa gestação pode afetar o bem-estar físico e mental da mulher e até mesmo colocar a sua vida em risco.
Nos dias 11 e 12 de abril de 2012, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou procedente a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 54, proposta pela Confederação Nacional dos Trabalhadores da Saúde, e decidiu, definitivamente, que a mulher com gestação de anencéfalo poderá manter ou interromper a gestação, se assim o desejar, na rede pública ou no serviço privado de saúde. Portanto, não é mais necessária qualquer autorização judicial para a realização do procedimento.
De acordo com essa decisão definitiva do STF, a proibição do aborto prevista no atual Código Penal brasileiro não se aplica ao caso de fetos anencéfalos, em síntese: (i) porque a causa da morte fetal decorre, unicamente, de sua própria malformação incurável, sendo incabível alegar-se violação à vida do feto, não sendo possível, sequer, falar-se em aborto em termos jurídicos; (ii) porque não se pode interpretar a lei penal descriminalizadora de modo restritivo, desconsiderando-se a realidade e o fato de que, em 1940, quando redigido o Código Penal, era impossível prever as anomalias fetais, ao passo que, atualmente, a anencefalia é diagnosticável com 100% de certeza por ultrassonografia; (iii) porque obrigar a mulher a manter a gestação de anencéfalo, contra sua vontade, é submetê-la à tortura psicológica, violando sua saúde física e mental e afrontando seus direitos fundamentais, protegidos pela Constituição Federal, como: dignidade da pessoa
humana, saúde, privacidade, liberdade e autonomia da vontade.
Essa decisão do STF tem efeito em todo território nacional: a mulher que desejar interromper a gestação de anencéfalo e o/a(s) médico/a(s) que realizar(em) o procedimento não estarão praticando aborto, portanto, não estarão praticando nenhum crime. E, se as mulheres optarem pela interrupção da gestação ou antecipação terapêutica do parto nesses casos, os hospitais têm o dever de realizar o procedimento, dando toda a assistência à mulher.