Análise dos Atendimentos a Mulheres em Situação de Violência Pelo Parceiro Íntimo em Uma Unidade Hospitalar

3 de março de 2023 por filipesoaresImprimir Imprimir

Conhece o panorama do atendimento a mulheres agredidas fisicamente pelo parceiro íntimo em um hospital público de grande porte referência em urgência e emergência.


A violência contra as mulheres, em particular a violência pelo parceiro íntimo (VPI), constitui-se em grave problema de saúde pública e de violação dos direitos humanos das mulheres. A VPI compreende agressão física, coerção sexual, abuso psicológico e comportamentos controladores sobre as mulheres por parte de um(uma) parceiro(a) ou ex-parceiro(a), resultando em danos físicos, sexuais ou psicológicos, entre outros.

Análise dos Atendimentos a Mulheres em Situação de Violência Pelo Parceiro Íntimo em Uma Unidade Hospitalar

 

Em relação à violência física, reconhecidamente um fenômeno cíclico, esta envolve qualquer conduta que ofenda a saúde ou a integridade corporal das mulheres, até o feminicídio – assassinato de mulheres em razão do gênero. Dessa forma, revisões de registros hospitalares permitiria dimensionar o impacto da VPI na saúde das mulheres, conhecimento acerca da necessidade de cuidados de saúde em serviços de urgência e emergência associados a esse tipo de violência, capazes de caracterizar a natureza complexa do tratamento e alto custo às mulheres, aos serviços/sistema de saúde, às comunidades e à sociedade. Conhecer as características da agressão, do relacionamento entre mulher e perpetrador, da demanda potencial de atendimento de urgência e emergência hospitalar e as consequências à morbimortalidade das mulheres, às instituições e sistema de saúde, faz-se necessário para compreender o dano real, com vista a esforços de prevenção, assistência e intervenções adequadas. O estudo teve por objetivo conhecer o panorama do atendimento a mulheres agredidas fisicamente pelo parceiro íntimo em um hospital público de grande porte referência em urgência e emergência.

A pesquisa

Trata-se de um estudo transversal, descritivo e com abordagem clínica, que analisou os prontuários de 205 mulheres, com 15 anos ou mais, atendidas devido a situação de violência pelo parceiro. Analisou-se o período de 2016 – marco dos 10 anos da Lei Maria da Penha – a 2019, contemplando variáveis sociodemográficas, relativas ao episódio da agressão, os cuidados hospitalares, as complicações e o desfecho. Os dados foram submetidos à análise descritiva, utilizado o programa Stata®, com apresentação em dois momentos distintos: dados sociodemográficos, relativos à violência e ao atendimento no pronto socorro de todas as mulheres atendidas; e os dados relativos à assistência àquelas que necessitaram de internação hospitalar. Mulheres jovens foram mais vulneráveis à violência por parceiro íntimo, 72,68% com menos de 40 anos e incluiu menores de 18 anos (4,39%), e 44,39% possuíam alguma comorbidade, principalmente acometimentos psiquiátricos (56,04%). Mulheres que não trabalhavam (23,90%) ou com trabalho informal (29,76%), casadas ou em união estável (54,63%), com filhos com o agressor (60,31%) foram mais acometidas, sendo a residência o espaço mais frequente da violência (68,78%) e 48,29% consistiam em casos de reincidência. Prevaleceu agressão direta ou espancamento (46,34%), além do uso adicional de objetos perfurocortantes e contusos (54,63%), com ferimentos na face (41,95%), cabeça (39,02%) e membros superiores (33,66%). Houve mulheres queimadas (9,27%), maioria grande queimada (63,16%). Prevaleceu à classificação de risco prioridade muito urgente/laranja (65,25%), atendidas por especialidade de cirurgia geral e do trauma (67,80%). Em 69,76% dos casos não houve registro à admissão de se tratar de agressão por parceiro, evidenciado posteriormente em abordagem multiprofissional, e 49,76% das mulheres demandaram internação; 69,61% cirurgia(s); 26,47% terapia intensiva; e 60,78% apresentaram alguma complicação. Como desfecho, prevaleceu a alta hospitalar (88,29%), com consultas de retorno (71,58%), reinternação (14,74%) e ocorreram oito óbitos (3,90%), com 50% dos óbitos no último ano (2019).

Mulheres em Situação de Violência

A análise dos atendimentos possibilitou identificar que mulheres agredidas pelo parceiro demandam uma série de cuidados e atendimentos especializados, urgentes e emergentes, com cuidados críticos e invasivos, configurando a magnitude da violência sofrida pelas mulheres, o que reforça o impacto deletério das relações de gênero e as reais consequências nefastas da VPI às mulheres, em sua saúde e sua vida, impactando toda a sociedade. Ao retratar a magnitude da VPI, esse estudo pode contribuir para maior visibilidade do problema, abordagem adequada dos casos nos serviços hospitalares por equipes multiprofissionais para além do tratamento das lesões físicas. Destaca-se a importância das instituições hospitalares referência em atendimento de urgência e emergência como local de detecção dos casos de violência, acolhimento, tratamento, cuidado e um dos pontos de composição da rede intersetorial para o enfrentamento e rompimento do ciclo de violência, sua escalada de gravidade e a prevenção de feminicídios.

Os resultados do estudo corroboram a necessidade de investimento e aprimoramento de estratégias, dispositivos e ferramentas para a abordagem desse complexo problema de saúde pública.

Compartilhar